MÚSICA X NEUROCIÊNCIA
A música, quando ouvida, tem a capacidade de ativar
diferentes partes do nosso cérebro, levando cada indivíduo a um despertar de
sensações diferentes, das quais se destacam a percepção auditiva, movimento,
memória, linguagem, além da acerca de milhares de emoções evocadas (ROCHA;
BOGGIO, 2013). Hoje a música também é utilizada como uma ferramenta de
intervenção em diferentes alterações neurológicas pela facilitação em conectar áreas
cerebrais envolvidas com processos motores, emocionais e de linguagem (MASZKUT,
2015). Vivenciada e presente em nossos dia-a-dia de diversas maneiras e
presente em diversas atividades coletivas na sociedade humana, a música se
transforma em traço exclusivo dos seres humanos junto à linguagem (MASZKUT,
2000).
A música, mais do que qualquer outra arte, tem uma
representação neuropsicológica extensa, com acesso direto à afetividade,
controle de impulsos, emoções e motivação. Ela pode estimular a memória não
verbal por meio das áreas associativas secundárias as quais permitem acesso
direto ao sistema de percepções integradas ligadas às áreas associativas de
confluência cerebral que unificam as várias sensações. Exemplo pode ser dado
referindo-se à sensação gustativa, olfatória, visual e proprioceptiva as quais
dependem da integração de várias impressões sensoriais num mesmo instante, como
a lembrança de um cheiro ou de imagens após ouvir determinado som ou
determinada música. O conjunto dessas atividades motoras e cognitivas
envolvidas no processamento da música é chamado de função cerebral.
Tal função exige várias operações mentais tais como
interpretação de ritmos, harmonias, timbres, expressão motora, processos
cognitivos e emocionais para a formação de um complexo de interpretação da
música (MUSZKAT, 2012).
Nas crianças, a música também exerce
grande influência em seu desenvolvimento e
funcionamento cerebral, sendo entendida pelo cérebro como uma
forma de linguagem. Assim, à semelhança da linguagem falada, a música envolve diferentes
entonações, ritmos, andamentos e contornos melódicos. É considerada uma arte que se
utiliza da linguagem para a comunicação e expressão (CUERVO, 2011).
A partir disso, compreenderam-se aspectos relacionados à dominância cerebral na função dos hemisférios cerebrais. O hemisfério esquerdo contém as habilidades verbais, enquanto as não verbais dependem do hemisfério cerebral direito (SCHMIDEK, 2005). A neurociência mostra que o cérebro de um praticante de música em longo prazo, como em músicos profissionais, funciona de uma forma diferente do cérebro de um não músico. O primeiro apresenta maior capacidade de aprendizado, atenção, concentração, controle emocional e normalmente são indivíduos bem humorados. No desenvolvimento de suas atividades, como executar uma peça musical, eles usam os dois lados do cérebro ao mesmo tempo devido o desenvolvido das habilidades musicais localizadas em ambos os hemisférios indicando mudanças positivamente mensuráveis (TRAVIS, 2011; AAMODT e WANG, 2013).
Segundo estudos realizados no Instituto de Fisiologia da Música e da Medicina da Arte, em Hannover na Alemanha, o lado esquerdo do cérebro parece processar elementos básicos como intervalos musicais e ritmos ao passo que o lado direito relaciona-se ao reconhecimento de características como métrica e contorno melódico. Vale lembrar que o córtex auditivo primário é amplamente influenciado pela experiência de forma que, quanto maior for a experiência, maior é o número de células estimuladas e reativas a sons e tons musicais importantes. A experiência induz ao aprendizado e este afeta os processamentos nas áreas auditivas secundárias e de associação, onde se supõe que os padrões musicais mais complexos, como harmonia, melodia e ritmo são processados. Desta forma, aprender a tocar um instrumento faz com que haja uma reorganização de diversas áreas cerebrais como, por exemplo, as áreas motoras, o corpo caloso e o cerebelo.
Esta reorganização se faz através da plasticidade neural, quer seja a partir do aumento no número de sinapses e de neurotransmissores, quer seja como o aumento da potência da sinapse existente e a formação de novas conexões. Este fato ocorre predominantemente a partir de exercícios musicais os quais são apontados como capazes de desenvolverem o hemisfério esquerdo (área da linguagem) e de beneficiarem a memória e a realização de tarefas espaciais (CARTER, 2009).
A capacidade de a música influenciar o estado emocional do indivíduo se deve ao fato dela produzir reações fisiológicas cuja magnitude parece depender do conteúdo emocional. Portanto, a percepção musical envolve muitas variáveis, muitas áreas encefálicas e é capaz de influenciar o corpo todo através das reações emocionais e fisiológicas (CARTER, 2009).
Estudos (CARRER, 2008) foram feitos a fim de entender os
efeitos fisiológicos e psíquicos das ondas sonoras de baixa frequência no corpo
humano os quais demonstraram que, para a maioria dos indivíduos, a vibração
sonora mais confortável foi a de 69,2 Hz e a mais desconfortável foi a de 24,49
Hz. As sensações benéficas descritas pelos participantes foram leveza,
tranquilidade, relaxamento, sonolência, paz, meditação, sonho, anestesia,
esquecimento de imagens e cenas ocorridas durante a aplicação, maior
consciência corporal, melhora postural, sensação de bem estar, redução de dores
musculares, sensação de conforto, menos ansiedade, desobstrução das vias aéreas
e desejo de urinar (por estimulação do sistema autônomo).
INFLUÊNCIA NO HUMOR
Alguns estilos musicais como heavy metal e o rap preocupam
os pesquisadores devido à forte frequência de comportamentos de risco em suas
letras. Ao contrário, a música clássica tem efeitos relaxantes e positivos
sobre o humor, mesmo que não sejam as músicas preferidas ou habitualmente
ouvidas. Assim, estudos demonstraram significativa redução nos níveis de
estresse após quatro meses de sessões semanais de música clássica (NEDLEY,
2009).
EFEITO MOZART
O efeito Mozart, descrito por Rausher et al.27, bastante divulgado na mídia e alvo de inúmeras controvérsias na literatura, refere-se à descrição de melhora no desempenho neuropsicológico em provas espaciais, bem como mudanças neurofisiológicas, induzidas pela audição da música de Mozart. Mais recentemente, esse efeito foi investigado por Hughes etal.28 em relação à atividade paroxística eletrencefalográfica de pacientes epilépticos.
Os autores observaram que a audição de Mozart (Sonata para dois pianos em Ré Maior, K448) produziu uma significativa redução da atividade paroxística interictal em 23 de 29 pacientes (79%), incluindo pacientes em coma. Observaram, ainda, que não só a frequência da atividade paroxística diminuía, mas também a amplitude das descargas. O mapeamento cerebral realizado durante a sonata mostrava diminuição da atividade teta e alfa nas regiões centrais, com aumento da atividade delta nas regiões central e média.
Os autores sugeriram que a arquitetura complexa da
música de Mozart poderia relacionar-se temporoespacialmente com a também
complexa microorganização colunar do córtex cerebral (modelo trion), e
semelhantemente à estimulação elétrica em padrão (como a observada após a
estimulação da amígdala na frequência de 1 Hz) poderia levar ao aumento do
limiar convulsivo e à diminuição das descargas paroxísticas no EEG29. Embora
interessante, tais achados requerem confirmação em novos trabalhos.