No dia em que Tomatis e Paul se conheceram, caminhando perto do mosteiro, Tomatis percebeu que havia mais animação no lado esquerdo do rosto de Paul, e mais movimento do lado esquerdo dos lábios e da boca quando ele falava, e também que seu lado esquerdo — e o ouvido desse mesmo lado — se inclinava para a frente durante a conversa. Esse comportamento significava que Paulo ouvia a fala com o ouvido esquerdo. Os sinais sonoros precisavam percorrer um desvio pelo caminho ao redor, menos eficaz, para chegar à área da linguagem no hemisfério esquerdo: tinham de passar do ouvido esquerdo para o hemisfério direito, e em seguida retornar pelo meio do cérebro, para chegar ao hemisfério esquerdo.
O atraso daí resultante, de cerca de 4 décimos de segundo, contribuía para a incapacidade de Paul de processar a fala dos outros em tempo real, causando uma defasagem temporal sempre que tentava expressar pensamentos com palavras, contribuindo para sua tendência a perder a linha de raciocínio. Isto ocorre porque, com o tempo, o fato de alguém falar pelo lado esquerdo da boca e ouvir com o ouvido esquerdo pode levar à desorganização num cérebro em desenvolvimento, contribuir para distúrbios de aprendizado que parecem sem relação com a escuta e provocar balbuciamento e gagueira.
A maioria das pessoas faz certas atividades com o hemisfério direito, e outras, com o esquerdo. Por exemplo, a maioria dos destros escreve com a mão
direita, usa um bastão de beisebol do lado direito e usa a mão direita para
atividades que exigem força, coordenação e controle. Sua mão direita é dominante,
sendo controlada pelo hemisfério esquerdo. Mas Paul, segundo observou Tomatis,
usava a mão esquerda para certas atividades, e a direita, para outras, padrão
conhecido como dominância mista, característica de pessoas com dislexia que são
ouvintes do ouvido esquerdo, o que pode indicar um problema cerebral, conforme
Tomatis desconfiava.
Em virtude de sua dominância mista, Paul não era capaz de
diferenciar áreas cerebrais para a mão direita e a esquerda ou de usar as mãos
para diferentes tarefas simultaneamente, como tocar violão. Essa dominância
mista contribuiu para sua trapalheira geral, para a dificuldade de escrever à
mão, afetando inclusive o funcionamento ocular durante a leitura. Em vez de ler
da esquerda para a direita de maneira sistemática, com frequência seus olhos se
voltavam para o meio de uma sentença ou saltavam pela página. Para transformar
Paul num leitor do olho direito e corrigir sua dominância mista, Tomatis
preparou o Ouvido Eletrônico para estimular seu olho direito e seus circuitos, diminuindo
o volume para a esquerda.
Paul não tinha apenas a questão da leitura
lenta. Tomatis percebeu que muitas vezes era incapaz de captar o que as pessoas diziam, pois ouvia demais
nas frequências baixas e insuficientemente nas mais altas. Os motivos eram vários:
primeiro, era evidente que Paul tinha tônus muscular baixo em todo o corpo, o
que levava a uma postura ruim, falta de jeito e aversão a movimentos rápidos.
Essa hipotonia corporal afetava e enfraquecia os músculos auditivos de Paul e
seu zoom auditivo, incapacitando-o assim a diferenciar as frequências da fala
humana. Em segundo lugar, Paul ouvia sobretudo com o ouvido esquerdo. Tomatis
constatara que o ouvido direito e seu circuito
cerebral ouvem em geral mais das altas frequências da fala que o esquerdo.
Desse modo, Paul geralmente ouvia mais ruído de fundo e zumbido do que fala
clara. Como o ouvido direito e seu córtex auditivo processam normalmente as frequências altas, o estímulo ao lado direito também treinou o
cérebro de Paul a processar mais claramente a fala.
Trecho retirado
do livro “O cérebro que cura” Norman Doidge