RESOLVENDO O MISTÉRIO NA ABADIA
Uma coisa ainda ficou por
resolver: a questão dos monges langorosos da abadia d’En Calcat, cuja
misteriosa doença levou Alfred Tomatis ao mosteiro nas mesmas semanas em que,
aos 18 anos, Paul Madaule buscava algum alívio por lá. Ao chegar, Tomatis
encontrou setenta homens desanimados, ou, segundo ele, “caídos em suas celas
como esponjas molhadas”. Ao examiná-los, constatou que a causa não era um surto
infeccioso, mas um acontecimento teológico. O Concílio Vaticano II, realizado
entre 1962 e 1965, estabelecera novas maneiras para a Igreja reagir às mudanças
do mundo moderno. A direção do mosteiro acabara de ser assumida por um jovem e rigoroso
abade que, embora o Vaticano II não proibisse o canto gregoriano, decidiu que o
cantochão entoado pelos monges diariamente das 6 às 8h da manhã não tinha
utilidade alguma, acabando com sua prática. Seguiu-se um colapso nervoso
coletivo.
Os monges com frequência
fazem voto de silêncio; agora, com a suspensão do canto, não recebiam estímulos
da voz humana, nem dos irmãos nem de si mesmos. Não tinham fome de carne,
vitaminas ou sono, mas da energia sonora. Tomatis restabeleceu o canto,
constatando então que muitos estavam deprimidos
demais para cantar. Foi assim que, em junho de 1967, convidou-os a cantar no
Ouvido Eletrônico e ouvir suas próprias vozes, por um filtro adaptado para
enfatizar as frequências mais altas e energizantes da fala. A postura em queda
mudou quase imediatamente, e eles passaram a se posicionar de maneira mais
ereta. Em novembro, quase todos estavam restabelecidos, e eles voltaram
reenergizados a seu ritmo de trabalho beneditino de longos dias atarefados e
apenas algumas poucas horas de sono à noite. Tomatis comentou que os beneditinos
“cantavam para se ‘recarregar’, mas não se haviam dado conta do que estavam
fazendo”.
Em muitas tradições, sabe-se
que os cânticos energizam o cantor. O
próprio Tomatis praticava canto, para manter-se avivado ao longo do dia. “Certos
sons são tão bons quanto duas xícaras de café”, dizia. Era um sujeito tão
energizado que dormia apenas quatro horas por noite.
Assim como certas vozes energizam e “carregam” tanto aquele que
fala quanto o que houve, deixando-os mais alertas, outras vozes “descarregam”
ou sugam a energia de quem as produz — ou ouve. (Certos professores que poderiam
ser estimulantes têm vozes monótonas que induzem os alunos ao sono por
produzirem sons enervantes, em virtude de seus próprios problemas de escuta.)
Para que um cântico seja eficaz, o cantor deve emitir frequências altas, que estimulam a cóclea, que possui muitos receptores para essas frequências.
Quando entoados adequadamente, os cânticos budistas tibetanos do “om” — normalmente percebido como um som baixo e profundo — produzem na verdade muitos sons harmônicos, motivo pelo qual parecem tão ricos. “São as frequências altas”, explica Paul, “que dão vida ao som. Alguém pode ter uma voz grave mas vívida [...] rica em harmônicos de frequência alta. Ou então ter uma voz aguda mas estreita e pobre em harmônicos, o que não soa de maneira agradável. Qualquer um pode emitir um ‘om’ grave, mas ele será raso e sem sabor sem os agudos.” Um monge pode levar décadas para aperfeiçoar
esse som, tão cheio de harmônicos [sons mais agudos] que na verdade vem a ser
um acorde. Um monge solitário, ouvindo-se cantar num mosteiro ressonante de
pedra ou numa igreja medieval com uma abóbada que amplifica as frequências mais
altas de sua voz, poderia perfeitamente estar sentado dentro de um gigantesco Ouvido
Eletrônico, pois o efeito é o mesmo.
O canto gregoriano não
energiza apenas: também acalma o espírito, motivo pelo qual Paul muitas vezes
termina com ele as sessões de escuta dos seus clientes. A música gregoriana que
ele toca é modificada para rapidamente alternar entre enfatizar as frequências
mais altas e as mais baixas, de tal modo que também tem um efeito de
treinamento do sistema do ouvido médio; mas ainda assim o cântico cobre todo o
espectro sonoro, o que reforça seu efeito calmante e de aterramento.
Muitas vezes o ritmo do cântico corresponde à respiração de uma pessoa calma e sem estresse, exercendo um efeito calmante imediato — provavelmente por carreamento. O carreamento é um processo em que uma frequência rítmica influencia outra, até que se sincronizam, aproximam-se da sincronização ou exercem forte influência uma sobre a outra — assim como, na água, as ondas se influenciam reciprocamente quando se cruzam.
Estudos de escaneamento cerebral mostram que, quando o cérebro é
estimulado por música, seus neurônios começam a ser acionados em perfeita sincronia
com ela, carreando com a música ouvida. Isto acontece porque o cérebro evoluiu
no sentido de se voltar para o mundo exterior, e o ouvido funciona como um
transdutor.
Os transdutores transformam a energia de uma forma em outra. Por exemplo, um alto-falante transforma a energia elétrica em som. A cóclea no interior do nosso ouvido transforma padrões de energia sonora do mundo externo em padrões de energia elétrica que podem ser usados internamente pelo cérebro. Embora a forma da energia mude, a informação carreada pelos padrões das ondas muitas vezes é preservada.
Como os neurônios disparam em uníssono com a música, a música é uma maneira de alterar os ritmos do cérebro.
Uma especialista em
neuroplasticidade do som, a dra. Nina Kraus, da Northwestern University, e seus colegas de laboratório registraram as ondas sonoras emitidas por uma serenata
de Mozart. Também fixaram um sensor elétrico no couro cabeludo de uma pessoa,
para registrar suas ondas cerebrais enquanto ouvia a peça de Mozart. (As ondas cerebrais são as
ondas elétricas geradas por milhões de neurônios acionados juntos.)
Em seguida,
voltaram a reproduzir os padrões das ondas cerebrais sendo disparadas.
Incrivelmente, constataram que as ondas sonoras da peça de Mozart e as ondas
cerebrais por elas acionadas tinham o mesmo aspecto. Verificaram inclusive que
as ondas cerebrais no tronco cerebral soavam da mesma maneira que a música que
as havia gerado!
Os neurônios podem ser
carreados por toda uma série de estímulos não elétricos, entre eles a luz e o
som; esses efeitos podem ser demonstrados usando um EEG. Muitos tipos de
estimulação sensorial podem alterar radicalmente a frequência das ondas
cerebrais. Por exemplo, num cérebro hiperexcitável, como em certos casos de
epilepsia fotossensível, luzes estroboscópicas (piscando cerca de dez vezes por
segundo) podem fazer com que grandes quantidades de neurônios disparem de
maneira sincrônica; a vítima pode ter uma convulsão, perder a consciência e
começar a se contorcer
descontroladamente. A música também pode provocar convulsões.
O carreamento é tão evocativo
que, quando uma pessoa é ligada a um
aparelho de EEG e convidada a ouvir um ritmo de valsa a 2,4 batidas por segundo,
a frequência dominante das suas ondas cerebrais chega no máximo a 2,4 batidas
por segundo. Não surpreende que nos movimentemos ao ritmo de uma canção — boa parte do cérebro, inclusive o córtex
motor, é carreada para essa batida. Mas o carreamento também ocorre entre pessoas.
Quando músicos tocam juntos, suas ondas cerebrais dominantes começam a carrear
umas com as outras. Em 2009, o psicólogo Ulman Lindenberger e seus colegas
ligaram nove duplas de guitarristas a aparelhos de EEG enquanto tocavam jazz
juntos. As ondas cerebrais de cada
dupla começaram a carrear juntas, para sincronizar suas frequências dominantes
de disparo neuronais.
Certamente tem a ver com o que os músicos chamam de “entrar num ritmo”.
Mas o estudo também mostrou que o carreamento não corria apenas entre eles.
Diferentes regiões do cérebro de cada músico também se sincronizavam, de tal
maneira que, globalmente, muito mais regiões do cérebro evidenciavam a
frequência dominante. Não era apenas que os músicos estivessem tocando num
conjunto; os conjuntos coordenados dos neurônios no cérebro de cada músico
tocavam junto com os conjuntos de neurônios do cérebro dos outros músicos.
Como muitos transtornos
cerebrais são causados quando o cérebro perde seu ritmo e dispara de maneira
“disrítmica”, a terapia musical revela-se particularmente promissora nesses
estados. Os ritmos da medicina musical podem representar uma maneira não
invasiva de fazer com que o cérebro volte “no ritmo”. Kraus e outros mostraram
que as áreas subcorticais do cérebro, anteriormente consideradas não plásticas,
são na verdade bastante neuroplásticas.
Diferentes ritmos de atividade neural correspondem a diferentes estados mentais. Quando uma pessoa está dormindo, por exemplo, o ritmo dominante — ou seja, as ondas cerebrais de maior amplitude — registrado num EEG é o que dispara de uma a três ondas por segundo (ou 1 a 3 hertz).
Quando uma pessoa está acordada e num estado calmo e focado, a frequência das
ondas cerebrais é mais rápida, em torno de 12 a 15 hertz; quando se concentra
num problema, as ondas de 15 a 18 hertz passam a dominar; e quando ela se
concentra num problema e está ansiosa, as ondas sobem para 20 hertz.
Normalmente, nossos ritmos cerebrais são estabelecidos por uma série de
fatores: as estimulações externas, nosso nível de excitação e nossas intenções
conscientes (digamos, voltar a atenção para um problema ou ir dormir).
Existem
no cérebro múltiplos “marca-passos” que, como um regente, controlam o tempo
desses ritmos. Com o treinamento neuroplástico, contudo, podemos desenvolver
algum controle sobre os ritmos do nosso cérebro. O neurofeedback treina uma pessoa cujos ritmos cerebrais estejam descontrolados a
controlá-los. É, portanto, excelente para indivíduos com problemas de atenção
ou de sono, ou geralmente para um cérebro ruidoso.
Mas não é uma terapia do som.
Uma abordagem que assim pode ser
considerada, focalizando diretamente no ritmo, chama-se Metrônomo
Interativo, e pude testemunhar resultados notáveis com ela. O cérebro tem o seu
relógio ou o seu cronômetro interno, que sai do ritmo em certas crianças.
No caso desses meninos ou meninas, seus relógios andam depressa demais, e eles
se tornam “precocemente reativos” aos estímulos sensoriais. Interrompem as outras pessoas, parecem impulsivos, irritáveis ou sem consideração, mas na realidade seus problemas têm a ver com a noção de tempo.
Outras crianças podem parecer desmotivadas e “lentas”, social e intelectualmente,
mas também aqui o problema tem a ver com o tempo — um relógio interno que toca
devagar demais.
O treinamento desse relógio —
aprendendo a ouvir e reagir aos sons — para que fique “no ritmo” pode ser transformador
para a vida delas. De uma hora para outra, essas crianças parecem mais atentas
e presentes.
“O ouvido é uma bateria para
o cérebro” era um dos aforismos usados por Tomatis para sintetizar sua
capacidade de “recarregar” o córtex. Ele tentava explicar de que maneira isso
seria possível, usando a ciência de sua época, e atuava majoritariamente no
terreno da especulação. No modelo que proponho, a neuroestimulação de música
terapêutica reprograma o sistema de ativação reticular, e é por isso que as
pessoas muitas vezes dormem nas primeiras fases da escuta, antes de emergir
reenergizadas. Mas outro motivo pelo qual a música é capaz de elevar o ânimo,
como Daniel Levitin e Vinod Menon demonstraram, é que ela aciona o centro de
recompensa do cérebro, o que aumenta a produção de dopamina, que por sua vez
aumenta as sensações de prazer e a motivação. Segundo Levitin: “Os aspectos de
recompensa e reforço do ato de ouvir música parecem [...] ser mediados por
níveis crescentes de dopamina. [...] As atuais teorias neuropsicológicas
associam emoções e estados de ânimo positivos a níveis mais altos de dopamina,
um dos motivos pelos quais muitos dos novos antidepressivos agem no sistema dopaminérgico.
Com toda evidência, a música é uma maneira de melhorar o ânimo das pessoas.”
Alfred Tomatis, que também
praticava ioga, acreditava que a boa escuta, a fala e estar energizado têm
todos uma relação íntima com a postura ereta.
Quando as pessoas se sentem
energizadas, geralmente assumem uma postura mais ereta: estufam o peito,
permitindo-se respirar mais profundamente. Também constatamos esse movimento de verticalização nos animais; os cães, quando
excitados, se empertigam, parecendo mais eretos. Também podem levantar as
orelhas, numa postura de escuta ativa.
Os efeitos geralmente
estimulantes da música na postura são visíveis nas crianças com síndrome de
Down, que nasceram com baixa tonicidade muscular e receberam diagnóstico de
“bebês moles”. O tônus baixo contribui para uma postura ruim e também para
dificuldades na fala e até uma tendência a babar. Treinando seus circuitos
cerebrais para beneficiar os músculos hipotônicos do ouvido médio e usando a
escuta passiva, Paul ajudou muitas crianças com síndrome de Down não só a
melhorar a escuta como a desenvolver melhor a tonicidade muscular em todo o
corpo, melhorando assim a postura e portanto também a respiração — o que lhes permite
levar mais oxigênio ao cérebro. Elas passam a babar menos ou
completamente, e sua fala melhora. Todos esses efeitos proporcionam um melhor
foco e as deixam mais alertas e visivelmente animadas.
Kim Barthel, uma especialista no tratamento da síndrome do alcoolismo fetal — transtorno infantil caracterizado por lesão cerebral e retardo mental, causado quando a mãe abusa de álcool durante a gravidez —, usa um método de música gravada modificada chamado Escuta Terapêutica, inspirado em Tomatis. Ele ajudou essas crianças a melhorar sua energia, o nível de estimulação, o processamento da linguagem, a memória, a atenção e a sensibilidade auditiva.
Num caso digno de nota, usando os efeitos estimulantes da música,
Tomatis ajudou um menino cujo hemisfério esquerdo fora totalmente
removido pelo famoso neurocirurgião Wilder Penfield, para acabar com convulsões
epiléticas que representavam risco de vida. Depois da operação, o menino mal
conseguia falar e ficou com o lado direito do corpo paralisado.
Ao completar 13 anos, foi levado ao consultório de Tomatis. Não obstante anos
de fonoaudiologia, o menino falava muito lentamente, com grande dificuldade, e
seu limiar de atenção era tão curto que comprometia o desempenho escolar.
Tomatis colocou o Ouvido Eletrônico no menino e estimulou seu único hemisfério
com som. “Algumas semanas depois da música”, escreveu Tomatis, “a atividade do
lado direito do seu corpo tornarase eficiente, ficando permanentemente
estabelecida. A fala recuperou suas qualidades de timbre e ritmo. O menino
agora expressava-se normalmente, com uma voz bem modulada, contrastando
fortemente com a voz monótona e sem vida que apresentava no início do
tratamento. [...] Nosso paciente
tornara-se calmo, aberto e alegre.”
Tomatis acreditava que a terapia do som despertara o hemisfério
remanescente.
O som pode às vezes ajudar
pessoas com lesões cerebrais traumáticas
severas, que em geral estão cronicamente cansadas, a se reenergizar e
recuperar as capacidades mentais perdidas. Um mulher de 29 anos, que aqui chamarei
de “Mirabelle”, dirigia seu carro descendo uma montanha perto de Denver. Ao
fazer a volta por baixo de um viaduto, uma carreta de dezoito rodas, descendo
em alta velocidade, perdeu os freios, voou do elevado e caiu em cima do seu
carro, causando grave lesão cerebral traumática. Ela ficou incapacitada e
perdeu o emprego. Depois de experimentar todas as abordagens e medicações
convencionais, ainda sofria de déficits cognitivos e
hipersensibilidade. Não conseguia mais ler, tinha uma memória péssima, dores de
cabeça, depressão e, acima de tudo, fadiga permanente. Mirabelle relata: “Meu
neurologista disse que os primeiros três meses da minha recuperação seriam a
parte crucial, e que depois disso não haveria nenhuma melhora significativa.”
Quatro anos transcorreram sem nenhum progresso.
Por sorte, ela assistiu a uma conferência de Ron Minson. Ele constatara que pacientes
de lesão cerebral, como as crianças com transtorno de desenvolvimento,
apresentam problemas de energia, sono, atenção, sensoriais e cognitivos. No
primeiro mês de uso do iLs, Mirabelle dormia na maior parte do tempo em que
ouvia música, mas em questão de um mês voltou a se energizar e suas capacidades
cognitivas retornaram. Pôde frequentar a universidade, voltar a estudar
ciências e ser aceita em um curso extremamente competitivo de patologia da fala
e da linguagem.
Inevitavelmente, vem a
pergunta: “Por que Mozart?”
Certos praticantes do método
usam outros compositores e formas
musicais, mas a maioria dos adeptos do método Tomatis insistem em Mozart, especialmente
em composições com violinos, pois é o instrumento mais rico nas frequências
mais altas, capaz de produzir sonoridades continuamente agradáveis ao ouvido.
Tomatis também preferia composições da fase mais jovem de Mozart, mais simples
em sua estrutura e mais adequadas a crianças.
“No início”, explica Paul, “Tomatis não usava apenas Mozart. Estava usando Paganini,
Vivaldi, Telemann, Haydn. Mas aos poucos, por seleção natural, acabamos apenas
com Mozart. Aparentemente, ele funcionava com todo mundo, e tinha o efeito de
ao mesmo tempo recarregar e estimular e, por outro lado, relaxar e acalmar. O
que, para mim, significa que os regulava.”
Paul continua: “Mais que
qualquer outro compositor, Mozart abria
caminho, preparava o sistema nervoso, preparava o cérebro — conectava o cérebro
— e lhe proporcionava os ritmos, as melodias, o fluxo e o movimento necessários
para a aquisição da linguagem. O próprio Mozart começou a tocar música muito
jovem, e aos 5 anos já criava composições surpreendentemente sofisticadas.
Tinha programado a linguagem da música no seu cérebro tão cedo que ela não foi
muito influenciada pelos ritmos da sua própria língua, o alemão. Para Tomatis,
era este o motivo de a música de Mozart ser tão universal. Não tem a marca
muito forte de uma língua
específica, como Ravel tem uma marca francesa, e Vivaldi, uma marca italiana. É
uma música que vai além de ritmos culturais ou linguísticos.”
Mozart, prossegue Paul, “é o melhor material pré-linguístico que
encontramos. Não tem nada a ver com a tentativa de tornar as crianças mais inteligentes,
como pensam alguns. Tem a ver com o uso da prosódia — a parte musical da
linguagem e seu fluxo emocional — a se manifestar mais facilmente. Por isto
Mozart é uma mãe tão boa! Pois a voz da mãe faz a mesma coisa, só é mais
personalizada. Mozart é mais universal, para todas as idades, raças, grupos
sociais, como demonstraram estudos etnomusicais.”
Tomatis estava tão na frente
dos colegas médicos que frequentemente era apresentado como um charlatão que
desonrava a profissão praticando “atos não médicos” apenas com som. Seus pares
atônitos insistiam que um médico não pode curar um problema cerebral passando
sons pelos ouvidos. Longe de se deixar intimidar, ele devolvia um Tomaticismo,
dizendo que na verdade o cérebro não passava de um apêndice do ouvido, e não o
contrário. E, tecnicamente, estava perfeitamente certo: o aparelho vestibular
primitivo (o estatocisto) de fato desenvolveu-se nos animais muito antes do
cérebro.
Alfred Tomatis morreu no dia
de Natal, em 2001. Não assistiu à
verdadeira explosão na compreensão do cérebro subcortical que
testemunhamos hoje, e que ajuda a entender de que maneira alcançou seus resultados
espantosos. Talvez, seus colegas céticos tampouco devessem ser julgados muito
duramente. A incredulidade associada a “tratamentos com música instrumental”
pode decorrer do nosso hábito de associar música à beleza e ao lazer, e doença
à dor e ao sofrimento. Certamente também está relacionada ao caráter único da
música enquanto forma artística: como escreveu Eduard Hanslick em 1854, em Do belo musical,
a música instrumental é a única arte
na qual forma e conteúdo não se distinguem.
Trecho retirado do livro “O cérebro que cura” Norman Doidge