RECUPERAÇÃO DE AUTISTAS
Certos observadores poderiam pensar que os muitos e diferentes
problemas de desenvolvimento de Will significavam que ele tinha autismo. Mas
ele não sofria do que muitos clínicos hoje consideram a principal
característica clínica do autismo, a incapacidade de entender que as outras
pessoas têm sua mente gerando pouquíssimo interesse em se relacionar com os
outros. Will, por mais problemático que fosse, sempre procurava ligar-se aos
outros. Em certas crianças, a falta de interesse em fazer conexão com os demais
torna-se particularmente óbvia quando tal interesse se manifesta no início da
vida, e se perde em seguida.
Jordan Rosen era uma criança saudável e inteligente que parecia se desenvolver de maneira perfeitamente normal, como seus dois irmãos. A única preocupação dos pais, não muito grande, era que, num período em que a maioria das crianças dispõe de um vocabulário de meia dúzia de palavras simples, ele ainda estava na fase do balbucio.
Talvez fosse uma coincidência, mas aos meses, uma semana depois de ser vacinado, ele contraiu uma séria gastroenterite. Passou então a se eximir de qualquer contato visual com as pessoas, deixou de atender pelo nome e parecia ter perdido a capacidade de entender expressões faciais. Também parou de brincar e perdeu a capacidade de se conectar emocionalmente com os outros.
Sua mãe, Darlene, notou que aparentemente ele não entendia que as outras pessoas tinham mente e sentimentos, tratando-as como se fossem objetos. Um pouco mais crescido, se quisesse beber, ele puxava a mão da mãe na direção da geladeira, como se sua mão fosse uma ferramenta para abrir portas. Passou a se mostrar distante, e quando estava num cômodo com os pais, agia como se não houvesse mais ninguém ali. Ao ouvir determinadas canções, corria pela casa tapando os ouvidos com as mãos, gritando. Mostrava-se enfurecido, descontrolado e inconsolável; batia com a cabeça no chão, na parede e contra Darlene, o dia inteiro.
Vez por outra, era expulso da
creche por morder os colegas.
Quando os médicos não acreditavam na duração e na violência de seus ataques de fúria, Darlene os filmava. Aos 3 anos, ele ainda não tinha uma linguagem, a terapia da fala não ajudava e os médicos diziam que ele talvez nunca viesse a falar. Um pediatra do desenvolvimento e um psiquiatra infantil especializado em autismo, filiado ao Instituto Clarke de Psiquiatria de Toronto, diagnosticaram autismo.
Um dos médicos escreveu: “Jordan tem graves deficiências na
comunicação verbal e não verbal e nas interações sociais recíprocas.” São sintomas
essenciais do autismo. Ele também apresentava “um repertório evidentemente
restrito de atividades e interesses, além de certos comportamentos obsessivos”,
o que significava que fazia a mesma coisa repetidas vezes, sem parar, e não
muito mais que isso — outra característica fundamental do autismo. Por diversas
vezes, Jordan juntava e alinhava blocos de brinquedo ou talheres. Tornou-se tão
obcecado com certos vídeos que a mãe teve de comprar um segundo aparelho para
rebobinar o que acabara de ver, pois começava a gritar se seu favorito não
estivesse sendo reproduzido constantemente.
Os pais foram informados de
que nada poderia ser feito, e de que talvez tivessem de interná-lo
definitivamente. Examinando fotos suas antes dos meses, eu via uma criança
feliz com um brilho nos olhos; em todas as imagens posteriores, o olhar era
vazio ou temeroso.
Um grupo de apoio a pais de crianças autistas reforçou a mensagem de desesperança. Alguém mencionou o Centro da Escuta de Paul, mas só para descartá-lo
como um castelo de cartas. “E assim eu resolvi investigar”, conta Darlene, uma
mulher decidida. Afinal, seu filho não ouvia nem falava e, como muitas crianças
autistas, mostrava-se hipersensível às sensações, quase sempre sonoras.
Aos 3 anos, Jordan começou a trabalhar com Paul, que constatou que
o menino não tinha realmente uma linguagem: usava as poucas “palavras” do seu
repertório como ruídos, fora de contexto, sem a intenção de se comunicar.
Depois da terapia da escuta, inclusive com a voz materna, começou a falar, e
seu comportamento normalizou-se. Passou então a galgar novos patamares de seis
em seis meses, ao longo de vários anos. Veio afinal a fazer amizades,
frequentou uma escola normal, formou-se com louvor e foi para a universidade em
Halifax.
Em dezembro de 2013,
encontrei-me com Jordan para ver o que lhe
acontecera a longo prazo. Paul não o via desde o último período de
tratamento, em meados da década de 1990. Hoje, Jordan é um bem
apessoado e articulado jovem de 23 anos. Seus olhos brilham, e ele
brinca comigo, provocador. Um rapaz encantador.
Formou-se recentemente em administração,
com pós-graduação em globalização. Contou-me que, para ele, a universidade “foi
o melhor período. Conhecer pessoas de lugares e culturas diferentes — mas
principalmente pelas festas”. Ele sorri. Seus relacionamentos significam muito
para ele, conta-me, e está sempre em contato com o círculo de amigos de
Halifax, tendo conquistado novos desde que voltou para Toronto. “E também
mantenho minha família por perto”, acrescenta. Sua linguagem é bem
desenvolvida, adequada e sutilmente espirituosa.
Jordan trabalha com logística, levando produtos de um país a outro, e lida com pessoas de todos os tipos, do mundo inteiro. Seu trabalho exige diplomacia e habilidade com as pessoas. Pergunto se ele tem de lidar com “pessoas difíceis”. Ele explica que, quando precisa fazer alguma crítica, cuida de preservar a autoestima da pessoa, fazendo também algum cumprimento.
No trato com alguém particularmente difícil, ele procura primeiro encontrar uma
maneira gentil de lidar com a pessoa. “Você sempre pode ficar aborrecido como
último recurso.” Isto vindo de um menino que estava permanentemente dando com a
cabeça na parede — literalmente. Parece evidente que ele sabe tudo sobre o que
ocorre na mente alheia.
O Centro da Escuta representou o único tratamento a que Jordan se
submeteu por seu autismo, à parte a terapia da fala, que não o ajudou. Aos 16 anos,
ele escreveu um poema com os seguintes versos:
Os médicos disseram que eu
era autista
E era como se eu fechasse minha mente numa concha
Disseram que não havia solução
Senão trancar-me numa instituição.
Em vez disso, Jordan tornou-se mais um entre o crescente número de
crianças que passaram por melhoras transformadoras em seu autismo. Em seu caso,
a palavra cura seria adequada. Paul não afirma operar tais maravilhas com todas
as crianças autistas, mas constata que a maioria dos pacientes autistas que em
sua opinião podem beneficiar-se com a terapia da escuta de fato melhoram
significativamente, embora muitos continuem com vestígios do transtorno.
Trecho retirado
do livro “O cérebro que cura” Norman Doidge